São jovens que
recuperaram a consciência social e deixam as marcas desconcertadas
Acabou o egoísmo, o narcisismoselfie, a
obsessão pelo consumo e a passividade que isso
acarreta. Há uma geração que quer salvar o mundo, mas ainda não sabe como.
Nasceu ou cresceu em plena recessão, em um mundo fustigado pelo terrorismo,
índices de desemprego galopantes e uma sensação apocalíptica provocada pelas
mudanças climáticas. São mais realistas que seus irmãos mais velhos, indicam
todas as consultorias de marketing (sempre preocupadas com seus futuros
consumidores). Viram como seus antecessores desperdiçavam o tempo acumulando
títulos universitários e mestrados para depois serem preteridos em entrevistas
de trabalho por causa de sua excessiva qualificação. São a geração Z, o grupo demográfico nascido entre
1994 e 2010, e que representa 25,9% da população mundial. Os especialistas já
analisam todos os traços de sua personalidade. Basicamente porque são o mercado
que se avizinha.
Deixando de lado os riscos e a
evidente frivolidade de atribuir uma letra e um só rosto a um espectro de dois
bilhões de pessoas, há alguns elementos que podem ser extraídos das múltiplas
pesquisas. Especialmente em contraposição a seus predecessores, os chamadosmillennials (ou
Geração Y), que as marcas ainda vivem obcecadas em decifrar. Fundamentalmente
porque são um grupo de 80 milhões de pessoas nos EUA e pouco mais de oito
milhões na Espanha, e que em 2025 representará – de acordo com prognóstico da
consultoria Deloitte – 75% da força de trabalho do mundo. O potencial produtivo
e de consumo dos millennials já é algo tangível (somente nos
EUA têm uma capacidade de compra equivalente a 112 bilhões de reais). Para as
empresas, no entanto, a aventura com seus irmãos mais novos consiste agora em
decodificá-los no laboratório.
A teoria do consumo diz que o segmento populacional
dos 18 aos 24 anos é o mais influente. As gerações anteriores e as posteriores
sempre querem se parecer com ele. É a referência estética. E os Z – assim
chamados por virem depois das gerações X e Y – começam a posicionar-se no topo
dessa pirâmide de influência, e em cinco anos a terão dominado. Segundo a
câmara de comércio dos EUA, sua influência no consumo de suas famílias no país
alcança atualmente o equivalente a 1,8 trilhão de reais.
Essa geração já não se conforma em ser sujeito
passivo de marcas e publicações, deseja produzir seus conteúdos. E consegue
através do YouTube, onde as novas celebridades surgidas nessa mídia já são mais
populares do que as da indústria do entretenimento tradicional (63% contra 37%,
segundo oCassandra Report, um dos relatórios mais utilizados pelas grandes
empresas para sondar os gostos da juventude). Ou por meio de
aplicativos como o Vine (para vídeos em loop) e plataformas online
como o Playbuzz, a guinada do popular site de histórias
viraisBuzzfeed,
onde agora os conteúdos são postados pelos usuários, que já somam 80 milhões
por mês, segundo o Google Analytics.
As primeiras marcas, a princípio desnorteadas, já
detectam a tendência, e algumas empresas – como a Starbucks (com a colaboração
de receitas personalizadas) ou a Nike (que permite aos clientes desenharem os
tênis) – estão lançando campanhas em que o consumidor é parte do processo de
construção do produto. Já não se trata somente de personalizar, mas de
participar da criação. Essa é a estratégia que as empresas deverão seguir para
estabelecer empatia com seus novos clientes, segundo avalia a influente
pensadora e economista inglesaNoreena Hertz, que acaba de publicar um estudo
com 2.000 jovens ingleses e norte-americanos dessa faixa de idade. Ela os chama
de geração K, uma referência aKatniss Everdeen, heroína de Jogos
Vorazes que se rebela contra o poder em uma paisagem de
distopia pós-democrática, embora admita que se trata do mesmo segmento
populacional. “Estão muito moldados pela tecnologia, mas muito mais pela
recessão e as políticas de austeridade. Um total de 77% está preocupado em não
se endividar. É uma geração altruísta, nada egoísta. Vai se mostrar forte e
politicamente sensibilizada por questões como a desigualdade economia e social.
E 95% pensam que se deve ajudar a quem precisa, mas estão muito desiludidos com
a política tradicional.” De fato, segundo sua pesquisa, somente um de cada 10 confia
em seu Governo.
“Os tempos estão mudando”, cantava Bob Dylan.
Muitos agora talvez não conheçam o senhor que compôs essa letra nem se
interessem tanto pela música e seus constantes festivais como veículo social ou
como referência estética. O interesse pelas drogas e sua relação com o ócio se
reduzirá também, de acordo com todos os indicadores. Na Espanha, se encontra em
bases mínimas desde 2005, segundo a última pesquisa do Plano Nacional Sobre
Drogas.
O tempo livre está cada vez mais direcionado para as
vocações profissionais (blogs, desenho de moda, fotografia...) e as comunidades
se formam em torno disso. A escritora Luna Miguel destaca esse modo de
trabalhar em rede, apesar de alertar para o fato de ser cedo para analisar uma
geração que ainda compartilha muitos códigos com a anterior. “São figuras
importantes, mas ajudam os demais e criam comunidade. A solidariedade será um
valor importante. Não querem mais ser o artista jovem e incomum. Até os
‘nativos da Internet’ soam como algo velho, é uma questão quase genética. Um
exemplo seria Tavi Gevinson, que desde os 13 anos tem um dos blogs mais
importantes do mundo”, afirma, referindo-se à multifacetada e influente
blogueira e editora norte-americana, nascida em 1996, um dos ícones da geração
Z.
A tendência também se estende à educação e aos
novos canais de acesso. Para Anne Boysen, consultora em estratégia e
especialista em questões geracionais da empresa After
the Millennials, grande parte da aprendizagem se dá fora da sala de
aula. “Essa geração usa o YouTube de forma periódica para sua lição de casa, o
que indica que quer um maior grau de personalização na educação. Se não gostam
do enfoque de seu professor, ou não o entendem, buscarão alguémonline que
o explique melhor”, afirma.
Em sintonia com os tempos de mudança, a consciência
social e as atividades de voluntariado ganham espaço. Segundo a última pesquisa
da Millennial Branding (com jovens dos EUA), 76% gostariam de participar de
algum tipo de ONG, e também 76% estão preocupados com questões climáticas.
“Exigem a igualdade entre pessoas de raça e sexo diferentes. Querem mudar o
mundo apoiando suas comunidades locais”, argumenta Dan Schawbel, fundador doWorkplaceTrends.com e
autor do best-seller Me 2.0: Build a Powerful Brand To Achieve Career
Success (Eu 2.0: Construa uma Poderosa Marca para Alcançar o Sucesso
na Carreira, em tradução livre). A empatia com os partidos tradicionais se
esvai. Na Espanha o CIS revelava em janeiro como o PP passou de ter 30,2% de
apoio dos jovens para uma estimativa de 4,3% nas eleições gerais.
Anne Boysen:
"Essa geração será mais cautelosa e realista, e também mais cética em
relação às grandes empresas"
O espírito crítico renasce. O mal-estar cresce e é
substituído por abordagens práticas e concretas. Somente 6% têm medo do futuro,
segundo o último Cassandra Report. Mas aumenta a desconfiança em
relação às grandes corporações. Dois terços dos jovens que aparecem na maioria
das pesquisas querem fundar sua empresa. Para Anne Boysen, essa geração será
mais cautelosa e realista, e também mais cética em relação às grandes empresas.
“Isso tem a ver com o fato de ter crescido em um ambiente de pós-recessão.
Buscarão trabalhos que façam sentido e que os ajudem a mudar o mundo”, afirma.
Na sensação de degradação do mundo a privacidade
emerge como uma das preocupações decorrentes dos excessos do Big Data e de pais
obcecados em gravar e fotografar os filhos e postar as imagens nas redes
sociais. Um dos aplicativos preferidos nesse segmento da população é o
Snapchat, mediante o qual se pode mandar fotos e vídeos programados para se
destruírem após segundos. Em tempos de WikiLeaks e da espionagem maciça da NSA,
os novos heróis já não são as estrelas da música, mas personagens como Edward
Snowden ou emergentes símbolos da justiça e da transparência. O
mundo, tal qual deixaram seus antecessores, não lhes parece um lugar habitável.
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/02/sociedad/1430576024_684493.html
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