COMUNICAÇÃO, PODER E CULTURA ORGANIZACIONAL
Sidinéia Gomes Freitas
Professora da Universidade de São Paulo
Em que medida podemos estabelecer a correlação entre comunicação, poder e cultura organizacional? Esta é a primeira questão que qualquer profissional com um pouco de bom senso se coloca, ou seja, o que justifica a correlação? Em primeiro lugar, porque o poder é uma forma de comunicação que tem códigos, sinais, símbolos, rituais que comunicam.
Todo indivíduo, num certo momento de sua vida profissional, começa a perceber que somente ser um bom profissional, seguir rigorosamente todos os modelos, não bastou para o seu sucesso profissional. E começa a pensar: alguma coisa está errada. O que está errado?
É possível que o questionamento esteja acontecendo com alguns de vocês ou tenha acontecido nalgum momento de sua vida profissional. O indivíduo comunica corretamente, sabe planejar, realiza. De forma subjetiva fui analisar a minha formação acadêmica e percebi ausências de conhecimentos importantes. Obviamente, tenho a obrigação, como profissional e pesquisadora, de buscar conhecimento no sentido de superar as inquietações.
Nas pesquisas efetuadas para obtenção do grau de doutor analisei a comunicação como fonte ou instrumento de poder, porque as relações entre as pessoas são relações de poder. Na família, unidade mínima que forma todo o composto da sociedade, vamos encontrar relações de poder entre o pai, a mãe, o filho mais velho, o filho do meio. São posições que as pessoas naturalmente acabam ocupando, desenvolvendo e deixando transparecer na sociedade em que vivem. Às vezes de maneira mais sutil, dificultando a compreensão das relações estabelecidas.
Utilizando a literatura como suporte, reporto-me a Alvin Toffler, que, analisando as mudanças do poder no mundo moderno, aponta para três fontes de poder: o capital (desse ninguém vai fugir mesmo); a lei (que o Brasil tem que começar a discutir com mais profundidade); e o conhecimento, a informação.
Se o conhecimento tem um valor considerável, pergunto: como fica o indivíduo no contexto das instituições e organizações de nível de informação grande, médio, pequeno, enfim, as cultas, semicultas e incultas (é uma outra terminologia que também se usa para fazer essa classificação)?
O avanço da tecnologia, da aeronáutica, das redes de comunicação, coloca as organizações em sintonia com o mundo todo. E o indivíduo dentro dessas organizações? O que é que está acontecendo com o nosso dia a dia, com a nossa rotina, com o nosso trabalho?
O cidadão de nível médio de informação modificou-se substancialmente. As linguagens estão amplamente colocadas na sociedade midiática. Mas há uma questão: quando o indivíduo está na organização que consome grande parte de seu dia a dia, nem sempre a organização percebe as mudanças de seus funcionários e o discurso do administrador, que deveria comunicar (não me refiro especificamente a uma área, estou falando do gestor), comunica mal e diz aquilo que não deveria dizer. Não considerar, por exemplo os mecanismos psicológicos e comportamentais do receptor da mensagem, favorecendo a resistência às mudanças junto ao público interno. Em situações de planos de demissão voluntária, a situação se agrava.
A comunicação ineficaz dificulta as relações de poder nas organizações e o recurso humano que é bom não deveria ser perdido tão facilmente, porque as organizações que estão perdendo recurso humano de alta qualidade estão perdendo dinheiro, e precisam começar a entender isso de forma um pouco mais séria. São excelentes profissionais, qualificados que, sutilmente, educadamente, com toda a elegância necessária, pedem socorro, emprego, trabalho, que faça jus à sua qualificação.
A comunicação como fonte, instrumento de poder, tem claras correlações com a cultura organizacional. Esta pode ser compreendida enquanto um "conjunto de valores e pressupostos básicos, expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto age como elemento de comunicação e consenso como instrumentaliza as relações de dominação" (Fleury).
É no processo de investigação da cultura de uma organização que identificamos aspectos formadores da identidade organizacional. Hoje, muitas instituições públicas só podem ser analisadas por meio da perspectiva da fragmentação da cultura. Não há como falar em consenso na realidade das organizações brasileiras, mas seguramente na análise das culturas se assentam as relações de poder. Em outras palavras, para se questionar quando (ou como) os elementos simbólicos ocultam e instrumentalizam relações de poder.
Relações de poder existem e muitas vezes definem, e não necessariamente com os critérios de justiça necessários, a saúde da organização. Justiça implica juízo de valor, e valores são minimamente compartilhados nas organizações, contestando a antiga visão da cultura única.
Para analisarmos os valores, convém observar as crenças e os pressupostos de uma organização, os ritos, os rituais, as cerimônias, os símbolos, os sinais, a forma e o conteúdo de sua comunicação.
Mas de fato as cerimônias e os eventos demonstram quais são os valores que naquele momento estão prevalecendo naquela determinada cultura? Certamente serão os valores institucionais que se comunica e que lamentavelmente são valores não compartilhados por grande parte do público interno ou essencial porque o "contrato psicológico" não ocorreu ou se quebrou. Há autores que abordam a questão dos mitos institucionais que marcam uma cultura e por isso perpetuam determinados valores. De fato, há os tabus, os heróis e os contadores de histórias que perpetuam valores, além de outras figuras que constituem a cultura organizacional: o padre, os conspiradores. Enfim, há perfis os mais diferenciados que transmitem cultura via comunicação.
Não é possível dissociar os estudos da cultura organizacional dos próprios conceitos de organização, que incluem desde as teorias clássicas da administração, passando pela teoria contingencial, pela teoria da cognição organizacional.
Neste sentido, até gostaria de dizer que há produções, inclusive em língua portuguesa, muito interessantes, que começam a se preocupar com as dimensões esquecidas pela administração, tais como: admitir, por exemplo, os estudos sobre inveja, sobre sofrimento no trabalho, sobre a vida do executivo no qual a empresa investe, recicla, facilita a vivência em outros países e quando ele retorna determina "agora que você voltou, fique aí", desconsiderando todo o potencial adquirido. Muitas vezes, este executivo não se adapta mais à realidade de sua própria origem. É o sofrimento no trabalho, o comportamento patológico.
São dimensões que precisam começar a ser colocadas. Necessita-se de gestores com sanidade mental, e não os encontramos com facilidade. É comum eu causar surpresa nas pessoas quando declaro: todo mundo é invejoso, inclusive você. Isso faz parte da natureza humana. A questão é: como administrar isso. E as pessoas não se dão conta dessas dimensões, que pesquisadores franceses chamam de dimensões esquecidas pela administração.
Desavisadas e mal informadas, as organizações acreditam nos chamados fazedores de cultura, que determinam dia e hora para iniciar a mudança na cultura organizacional. Apresentam planos mirabolantes porque vão mudar a cultura daquela empresa. E ninguém muda a cultura. A cultura se transforma. Há momentos, estágios de desenvolvimento de uma organização. Há estágios: nascimento, crescimento, maturidade, falecimento ou renascimento, momentos propícios à mudança. Lamento dizer, mas muita organização séria pagou caro pela malandragem.
Em primeiro lugar, o indivíduo não muda se não quiser. Em segundo lugar, que deuses são esses que vão mudar comportamentos com fórmulas mágicas. A sociedade é que se transforma ou não. O brasileiro vem se transformando. Eu diria que a nação começa a discutir um pouco mais a questão da corrupção, por exemplo. A opinião pública se manifesta e começa a ser um pouco mais rigorosa. Somos iniciantes nas questões éticas, mas começamos a discuti-las. São indícios de uma sociedade em transformação, não que mudou totalmente. Nada se transforma com essa rapidez que prometem. É possível gerenciar a mudança e não existem modelos que nos dêem soluções mágicas.
A cultura organizacional deve ser analisada inicialmente pela cultura do meio em que a empresa opera e pelas subculturas da empresa. Encontramos conjuntos de subculturas que são culturas de pleno direito, com contornos claramente definidos, ainda que não aceitos pela ótica do consenso.
Aos profissionais de comunicação compete elaborar com qualidade as auditorias de cultura para podermos nos dirigir ao público interno, considerando os valores mínimos que essa organização está compartilhando, até para que se comunique de acordo com uma linguagem comum para que as pessoas nos entendam, nos compreendam. Precisaremos também considerar as nuances das tipologias de cultura, se aceitarmos que a cultura organizacional é fragmentada.
Os valores são transmitidos por meio da comunicação. O indivíduo comunica sua cultura a começar pela vestimenta que usa no trabalho, passando por seus hábitos, suas atitudes. Ele está o tempo todo se comunicando pelo olhar, pelo gesto, pela escrita, ele está, na verdade, mostrando valores. Então a comunicação é, realmente, o melhor caminho para se estudar a cultura organizacional. É pela análise da comunicação de uma empresa que percebemos o pensar e o sentir dessa organização.
É assim que vejo a correlação entre comunicação, poder e cultura organizacional. Com interfaces que se destinam a estudar o poder organizacional que não tem forma, mas que existe e determina nossa trajetória profissional.
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