Doenças psicossomáticas
O temor de perder o emprego pode favorecer o surgimento das psicopatologias
Veículo: Diário do Nordeste
O temor de perder o emprego pode favorecer o surgimento das psicopatologias
Veículo: Diário do Nordeste
Seção: Viva
Data: 09/09/2007
Estado: CE
Inimiga silenciosa. Esta pode ser uma das denominações das chamadas doenças psicossomáticas, manifestações orgânicas causadas ou agravadas pelo estado emocional. Estresse e insatisfação diante do atual modo de vida podem ser alguns dos fatores responsáveis pelo desencadeamento dessas enfermidades. A influência das doenças psicossomáticas é apresentada pelo médico psiquiatra José Jackson Coelho Sampaio, mestre e doutor em Medicina Social, professor titular em Saúde Pública e Diretor do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará (Uece). O psiquiatra é um dos palestrantes do Congresso Brasileiro de Desenvolvimento Humano, que acontece de 5 a 7 de novembro, em Fortaleza.O que significa o transtorno psicossomático?O transtorno psicossomático, que pode se consolidar sob forma de alguma doença, designa um problema de natureza psíquica que se expressa de maneira somática, biológica. A ansiedade derivada do temor de ser assaltado, ou de perder o emprego, ou de não passar no vestibular, ou de ser traído, e que leva a uma gastrite, a uma psoríase, a um freqüente estado de dor muscular no trapézio (entre costa e pescoço) ou a uma redução do interesse sexual.A que o senhor credita o aumento no número de casos?Penso que as condições de vida cada vez mais desiguais, de pobreza frente à riqueza; a transformação cada vez mais intensa e universal dos valores e habilidades humanas em dinheiro, em coisa; a frustração cada vez maior e mais freqüente de expectativas, de esperanças; e a multiplicação de ameaças invisíveis e imprevisíveis; tudo isto concernente ao campo do psicológico, da experiência propriamente humana, não fisiológica genérica (como o estresse), podem explicar muito mais o que sentimos hoje.O diagnóstico de doenças psicossomáticas é um dos mais difícies.
Como a medicina lida com essa questão? É preciso uma equipe multidisciplinar?
Independente do tipo de processo (psicossomático, somatopsíquico, somatossomático e psicopsíquico), hoje, nenhum pode ser atribuído a um especialista. Todo o campo da saúde tornou-se radicalmente multiprofissional interdisciplinar. Há sempre uma equipe atuando. Ela pode estar visível ou invisível aos olhos do usuário, ser reconhecida ou não, atuar de forma integrada, harmônica, ou de forma desagregada, cada qual fazendo o que sabe e esperando que algum milagre junte os esforços em alguma coisa útil.A psiquiatria divide as doenças psicossomáticas em dois tipos: a conversão psíquica e a somatização.
O que significa cada uma?
Temos usado a palavra conversão para designar o processo psicossomático que tomou forma nos músculos (dores, espasmos, enrigecimentos, paralisias, etc.) e na pele (inflamações, coceiras, manchas, etc.). Usamos somatização para designar o processo que tomou forma nas vísceras (lesões e inflamações de estômago, intestino, etc.). Mas estas palavras são muito pobres, porque toda psicossomática é somatização (expressão no corpo) e toda ela é conversão (mudança de uma base, no caso psíquica, em um modo de expressão, no caso somático). Estas palavras são, hoje, muito mais usadas por tradição.
Esse tipo de problema pode atingir pessoas de todas as idades? O que pode ocorrer no caso de crianças e idosos?
Há psicossomática em todas as idades. É possível imaginar que o auge delas exclue a infância e a velhice. A infância, porque os processos ainda não construíram estradas, vias; o corpo é muito capaz de reagir às traições do meio, e a mente está, ainda, muito mais composta de imagens e sensações, do que de idéias. A velhice, porque o sujeito já aprendeu a lidar com grande parte das contradições cotidianas, aprendeu a economizar energia e a se deixar levar por acomodações e fatalismos, sobretudo porque o corpo vai recuperando seu senhorio total sobre o indivíduo, embora tornando-se mais degradável, mais somatossomático.
Independente da idade, como acontece o tratamento de pessoas com essa patologia?
A regra geral possível é respeito, escuta qualificada, projeto individualizado, participação do usuário nas soluções, foco na qualidade de vida, cautela total no que diz respeito ao invasivo e o medicalismo, estímulo ao auto-cuidado consciente. Uma coisa é a organização do sistema de saúde para catástrofes imprevistas, para urgências/emergências e episódios agudos que exijam internação. Outra coisa é a clínica ampliada da atenção psicossocial, seja individual, familiar e comunitária, de vigilância da qualidade de vida e de acompanhamento personalizado de indivíduos e grupos. O processo de determinação, por sua vez, será cada vez mais complexo e aparentemente abstrato.Hereditariedade, alimentação e poluição podem ocasionar esse tipo de enfermidade.
O estado emocional ainda continua sendo o maior “vilão”?
Mas o que seria o estado emocional senão a expressão de uma síntese de sentimentos determinados pelas experiências de vida? Somente uma sociedade que recusa a reflexão crítica e a memória histórica valoriza tanto as emoções. Assim nos tornamos vítimas da propaganda, prisioneiros do consumo como valor maior. Sobretudo nos tornamos átomos individuais, reagindo pontualmente, aos sentimentos imediatos que os outros me despertam. A tendência da hipertrofia do emocional é nos tornar histéricos, não necessariamente psicossomáticos.
Diante de fatores emocionais, homens e mulheres tendem a agir da mesma maneira?
Sabemos que homens, quando desenvolvem transtorno mental de qualquer natureza, tendem a fazê-lo de modo psicopático. E que as mulheres tendem a fazê-lo de modo afetivo. A história de vida das mulheres, em sociedades patriarcais, machistas, que reserva aos homens o mundo da rua, da providência financeira e do poder, relegou as mulheres, bem antes do surgimento da sociedade de consumo, à vida emocional e privada, do lar e das crias. A entrada das mulheres no mundo da rua, da providência financeira e do poder e a entrada da organização econômica na lógica do consumo como valor societário maior estão dando curto-circuito no modelo anterior: homens e mulheres, ambos poderosos cognitivos e emocionalmente hipertrofiados.Tem-se observado muito esse tipo de doença em ambientes de trabalho (funcionários com gripes recorrentes, enxaquecas ou gastrites). Existe algum tipo de medida preventiva?As possibilidades preventivas da periculosidade, da insalubridade e da penosidade próprias dos nossos ambientes de trabalho vão desde as políticas de emprego e renda, consistentes e permanentes, na dimensão macrossocial do trabalho, até a criação de pequenas folgas na rotina do trabalho, para relaxamentos espontâneos ou dirigidos (ginástica laboral, ioga, etc.), na dimensão microssocial do trabalho. Além disso, música clássica suave no sistema de som em meio a ensurdecedora bateria de ruídos e ambiente geral de péssima acústica; ou chefia autoritária, sobre trabalho parcializado e empobrecido, mais festinha de aniversariante do mês e tai chi chuan às sextas feiras por 15 minutos.
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